AXÉ ÀS MULHERES NEGRAS
Maria Heloisa Martins da Rosa GAMP- Grupo Autônomo de Mulheres
Dia 25 de julho momento para rufar os tambores para OBATALÁ fazer pulsar
OKÀN , começar IJÓ , soar os DJEMBE E ASHIKO para render homenagens a
memória da rainha negra TEREZA DE BENGUELA. Porque um dia dedicado a esta
mulher e consequentemente a toda mulher negra? Quem foi Tereza?
As mulheres Negras organizaram em 1992 o primeiro Encontro de Mulheres
Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana, em que
discutiram sobre machismo, racismo e formas de combatê-los. Daí surgiu uma rede de
mulheres que permanece unida até hoje. Do encontro, nasceu também o Dia da Mulher
Negra Latina e Caribenha, lembrado todo 25 de julho, data que foi reconhecida pela ONU
ainda em 1992.
No Brasil desde 2014 comemora-se neste dia 25 de julho o dia nacional para
homenagear a líder Quilombola Tereza de Benguela e todas as mulheres negras. No ano
2014, foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei nº 12.987/2014 como o Dia
Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Essa data deve ser celebrada pois estamos a cada 25 de julho mais unidas – ainda
com muitas dificuldades -, mas devemos principalmente aproveitar para lembrar nossas
dores diante da exclusão social que se agravou ainda mais com a pandemia da Covid 19.
Essas comemorações são muito significativas e servem como ponto de conexão entre
mulheres negras de todo o país. É momento para reunir e organizar estratégias para o
enfrentamento das violências impostas por sucessivos governos. Nós mulheres negras
temos em Tereza a inspiração e força para lutar e buscar nosso reconhecimento histórico
desde sempre negado e ou subalternizado.
Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, viveu durante o século 18. Com a
morte do marido José Piolho, Tereza se tornou a rainha do Quilombo do Quariterê. O quilombo de Quariterê situava-se às margens do rio Quarité ou Piolho, afluente da
margem direita do Guaporé, principal quilombo matogrossense. Era formado de escravos
fugidos das Minas de Mato Grosso, de pretos livres e de indígenas. Sob sua liderança, a
comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, vivendo até 1770.
Este quilombo quando passou a ser liderado por Tereza de Benguela tornou-se exemplo
de organização política e econômica. Possuía uma agricultura rica e diversa. Plantavam
batata doce, milho, feijão, macaxeira e outros produtos. Produziam tecido rústico a partir
da manufatura do algodão e fumo que também plantavam. Havia duas tendas de ferreiro
onde obtinham o ferro para manufatura e também sal através de relações mantidas com a
sociedade "branca". Produziam artesanato, criavam pequenos animais. Destacava-se pelo
trabalho cooperativo e solidário.
Quando o quilombo foi abatido sua população era de setenta e nove negros/
negras, e trinta indígenas, foram aprisionada e marcada a ferro com a letra F, como
determinava o Alvará Régio. A rainha “Teresa, ante a destruição do quilombo que
liderava, enlouqueceu. Presa e conduzida também para Vila Bela, num gesto de suprema
indignação, revolta e resistência, ter-se-ia suicidado”. (Pina de Barros, 1989, p.3)
Trajetória das mulheres negras
A filósofa Djamila Ribeiro aponta que “mulheres negras vem historicamente
pensando a categoria mulher de forma não universal e crítica! Ou seja, mulheres não são
todas iguais. Urge percebemos outras formas de ser mulher e outro processo histórico
dessa construção não branca. Enquanto a maioria branca de classe média lutava pelo
direito ao voto e ao trabalho fora do lar, as mulheres negras lutavam para serem olhadas,
respeitadas como pessoas. No Brasil esse movimento de mulheres negras organizadas
como feminismo negro começa a ganhar força nos anos 1980. De acordo com Núbia
Moreira:
“A relação das mulheres negras com o movimento feminista se estabelece a partir
do III Encontro Latino-americano ocorrido em Bertioga em 1985, de onde emerge a
organização atual de mulheres negras com expressão coletiva com o intuito de adquirir
visibilidade política no campo feminista. A partir daí surgem os primeiros coletivos de
mulheres Negras, época em que aconteceram alguns Encontros Estaduais e Nacionais de
mulheres negras”. ( Núbia Regina Moreira, 2006)
Para que tenhamos nossa pauta de reivindicações atendidas, não só num sentido
epistemológico, mas no direito de existir como pessoa, precisamos nomear essas
diferenças e opressões. Essa invisibilidade, dentro da pauta feminista hegemônica,
impossibilita essa identificação de direitos específicos às mulheres negras e saídas
emancipatórias, por essas e outras razões é extremamente importante termos um dia
dedicado somente as mulheres Negras. O silêncio forçado que esteve submetida a mulher
negra serviu como força para construção de unidade e organização para luta. Agora “o
silencio não vai te proteger.” (Audre Lorde), e como alerta a escritora e poetisa: “Nossa
fala estilhaça a máscara do silencio. Penso nos feminismos negros como sendo este
estilhaçar, romper, desestabilizar, falar pelos orifícios da máscara!” (Conceição Evaristo).
Realidade Brasileira
De acordo com o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a
população negra corresponde a mais de 54% do povo brasileiro. Esse contingente de
pessoas é quem mais sofre com a pobreza. Três em cada quatro pessoas extremamente
pobre no Brasil é negra. Dados da ONU – Organização da Nações Unidas, indicam que
quinze dos vinte e cinco países que integram a organização com maior índice de
feminicídio, 15 ficam na América Latina e Caribe. Neste contexto de tamanha violência
são as mulheres negras as maiores vítimas da violência obstétrica, homicídios e violência
sexual. Conforme o ATLAS da violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -
IPEA/2019, 66% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. De acordo com eles
este dado denuncia a enorme dificuldade e descaso (grifo meu) que o Estado brasileiro
tem em garantir a universalidade de suas políticas públicas.
As pesquisas em saúde no Brasil não possuem recorte de raça e de gênero, mesmo
tendo a informação dos institutos de pesquisa sobre a alarmante diferença se comparada
as mulheres brancas. São também as mulheres negras a imensa maioria das afetadas pela
COVID19 conforme relata a embaixadora da ONU, informações obtidas pelas
organizações não governamentais e movimentos sociais negros.
Neste dia devemos somar nossas forças e cobrar do município, o recorte de gênero
e racial em todas as ações e propostas para a saúde, educação, economia e lazer. Somos
pessoas com formação étnica diferenciada, nossos corpos são específicos e exigimos
atenção diferenciada e que nos inclua no grupo de maior risco em todas crises sanitárias
deste município justamente por não levarem em conta nossa trajetória histórica. Pessoas
negras tem que fazerem parte desta rede de atendimento e de uma assistência social
diferenciada.
Finalizo citando Bell Hooks:
“A mutualidade é a base para o amor! A prática
feminista é o único movimento por justiça social em nossa sociedade que cria condições
para que a mutualidade seja nutrida! (2018, p. 150)
BIBLIOGRAFIA
BARROS, Edir Pina. Quilombos: resistência negra em Mato Grosso. Texto
escrito por solicitação de militantes do Grupo de União e Consciência Negra de Mato
Grosso, GRUCON/MT, em novembro de 1989.
EMICIDA. AMORAS. São Paulo; 1ª ed. Companhia das Letrinhas, 2018.
EVARISTO, Conceição. Entrevista á Carta Capital em 13 de maio de 2017.
CASTRO, Rosane. Batidas de OKÀN. Porto Alegre; Libretos, 2013.
Hooks, bell. O feminismo é para todo mundo – políticas arrebatadoras. Rio de
Janeiro; 1ªed. Rosa dos Tempos, 2018.
LORDE, Audre. In: Feminismo Negro: para um novo marco civilizatório.
Djamila Ribeiro Revista Eletrônica; Escrevendo o Futuro, 2019. Acessada em
20/07/2020.
MOREIRA, Núbia Regina. “Representação e identidade no feminismo negro
brasileiro”. Artigo apresentado no Seminário Internacional Fazendo Gênero, na
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 7 de agosto de 2006.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do Feminismo Negro? São Paulo – 1ª edição:
Companhia das Letras, 2018.
https://www.geledes.org.br/25-de-julho-a-visibilidade-da-mulher-negra-e-a-luta-pararomper-o-silencio
GLOSSÁRIO
AXÉ – força sagrada de cada orixá
ASHKO – tambor em forma de cone é considerado a fêmea do Djembe. Feito do
tronco de arvores. O couro é esticado por uma intricada trama de cordas e aros de metal.
DJEMBE – é um tambor em forma de taça. Os antigos dizem que ele nasceu de
um pilão. Este instrumento está presente nos festejos e rituais dos povos do oeste do
continente africano.
IJÓ - dança, movimento
OBATALÁ – na mitologia yorubá, que é uma cultura africana, é conhecido como
grande orixá, criador do mundo, dos homens, das plantas e demais anima
OKÀN – coração
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