Enquanto tô aqui esperando por atendimento, tem muitos olhares colados em mim, é normal sabe.
Sempre que alguém chega numa delegacia todo mundo olha, ainda mais hoje que é sábado e
que a delegacia da mulher tá fechada, é que a delegacia da mulher só funciona de segunda à
sexta, é por isso que hoje eu tô aqui nessa delegacia comum, a outra só funciona no máximo
até sexta-feira, e até às 17:30.
Não sei quem inventou que tinha que ser assim, o fato é que tudo começa depois que anoitece, até as cinco e meia da tarde todo homem é santo.
Ou quase todos!
Tô aqui esperando pra registrar a agressão.
Todo mundo já viu o olho roxo, a boca suja de sangue, a saia rasgada, mas ainda não chegou a minha vez de ser atendida.
Tô aguardando!
Tô com medo que ele entre aqui e termine o serviço antes de chegar a minha vez.
Hoje ele tá muito sem paciência, chegou perguntando por comida, tava no fogo sabe, ele gritou que tava demorando, que eu era uma relaxada, preguiçosa e já que ia demorar tanto aquela porcaria de comida mal feita e sem graça, que ele ia achar um jeito de relaxar,
daí me pegou pelo pescoço, me jogou longe, contra a parede, rasgou minha saia, queria graça,
eu fugi daquilo e ele continuou a me espancar, ele tava com fome, sorte que eu falei que a
comida devia de estar pronta.
Ele disse que bom, mas quando provou tava quente e se queimou, daí levantou e me socou o
olho e a boca. Mandou eu esfriar e comeu até encher o bucho.
Levantou e disse pra eu ir me lavar, eu fui.
Ele gritou da porta que ia pedir a benção pra mãe dele no quarteirão de cima e já voltava pra
sobremesa, que eu me lavasse bem que ele tava faminto .
Aproveitei pra fugir pela rua de baixo.
Agora ele já deve de ter voltado.
Eu preciso que alguém me ajude, se ele souber que eu vim aqui, ele me mata.
É que hoje ele tá com muita fome!
"Histórias Quase Inventadas"
Autora: JANETE FLORES, 54 anos, natural de Porto Alegre, radicada em Pelotas desde a década de 90, com formação em Artes, habilitação em Música pela Ufpel, compositora, instrumentista, cantora, artista plástica e escritora. Membra associada ao GAMP.
Pelotas, novembro de 2020
GAMP Feminista - Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas
Recomenda:
A Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento possui uma sala reservada para acolher as mulheres vítimas de violência doméstica;
- Se possível, convide uma amiga, vizinha ou familiar para lhe acompanhar durante o processo de registro do Boletim de Ocorrência (B.O.);
- Anote o nome do Agente que estiver lhe atendendo;
- Se você vem sendo agredida com frequência converse com alguém de sua confiança, ou procure o Centro de referência no atendimento à mulheres em situação de violência;
- Deixe cópia dos documentos com alguém de sua confiança, ou guarde em lugar sigiloso e seguro, para casos de urgência;
Anote os endereços:
DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
Rua Barros Cassal, 516. Areal
Fone: (53) 3310-8181 ou (53) 3310-8188
Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento
Sala das Margaridas
Rua: Professor Araújo, 900. Centro
Fone: (53) 3222-2000
180 DISQUE DENÚNCIA
Escuta Lilás/RS - 0800-0803 (ligação gratuita)
Centro de Referencia no Atendimento à Mulheres Vítimas de Violência
Rua Barão de Itamaracá, 690 (atrás do Foro). Areal
Fone: (53) 3279-4240
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