Querido diário,




 
Querido diário,

meu coração anoiteceu nesse momento.
Recebi a pouco a notícia pela boca da televisão, de que meu filho, ao ser confundido com um marginal, teria sido conduzido por seguranças do supermercado, e estes, teriam espancado o meu menino até a morte!
Depois, os brancos ainda lhe olhavam morto e espantados não compreendiam como o negro Morrera, afinal, negro é forte, corre rápido, carrega saco de cimento na cabeça , mexe massa na obra, capina canteiro central das avenidas, põe asfalto nas ruas, agora esse aqui morre porque tomou meia dúzia de chutes na cabeça...
Não pode ser, olha melhor, vê bem se esse negão não tá nos trolando?!
Não tá!
Tá morto a merda do negão!
Pqp!!!
O vídeo era prova...
Na atualidade tudo é gravado...
E o vídeo já estava rodando nos jornais na tv!
Os brancos, num instante matam um negro suspeito de entrar num supermercado.
O negro!
A televisão!
A mãe que esperava seu filho voltar com as compras...
A vida que não perdoa a cor que envolve o filho que agora sangra imóvel e roxo!
A mãe que grita por seu menino!
Nossos filhos sempre serão nossos meninos...
Não importa a idade, quando sangram, quando bate a febre, quando sangram de morte, não importa a idade, são sempre nossos meninos.
Abateram meu menino!
Chora desconsolada uma mãe negra de um filho morto, que mesmo depois de morto causou espanto e nojo aos agressores brancos que o julgavam agora pela moleza, pela paralisia. Negro de merda levanta e luta porra!
Morreu a praga, desgraçadoooooo!
Brancos inconformados com a fraqueza do negro que deveria apanhar e seguir vivo, como as novelas mostravam na tv. Negros no tronco apanhando e depois indo pra colheita da cana!
A mãe Nainha ainda chora, e até que veja o seu menino de perto, vai continuar acreditando que tudo não passou de um engano.
Mas na rua a vizinhança toda grita chorosa:

- Mataram o Beto!


"Histórias Quase Inventadas" 

Autora: JANETE FLORES, 54 anos, natural de Porto Alegre, radicada em Pelotas desde a década de 90, com formação em Artes, habilitação em Música pela Ufpel, compositora, instrumentista, cantora, artista plástica e escritora. Membra associada ao GAMP.

Pelotas, novembro de 2020

Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas aponta: 

O CONTO que inaugura uma série de publicações da poetisa Janete Flores, neste 20 de novembro de 2020, divide com os leitores as DORES, de uma mãe, uma esposa, uma filha, uma dinda...enfim morre em Porto Alegre mais um homem negro...Não é um número é um corpo negro...tinha família...como todos que morrem a cada dia neste país por obra da violência racial...BASTA!

Precisamos rever o código penal, punir os infratores, queremos justiça!

Precisamos de treinamentos policiais que revejam este preconceito!

Precisamos de RESPEITO!

NO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA NO RIO GRANDE DO SUL - LUTO


Segundo Achille Mbembe, a necropolítica, instaura-se como a organização necessária do poder em um mundo em que a morte avança implacavelmente sobre a vida. A justificação da morte em nome dos riscos à economia e à segurança torna-se o fundamento ético da realidade.

Vive-se no Brasil, a política da morte, na qual existem determinados tipos de corpos descartáveis. Nestes encontram-se mulheres, homens e crianças negras.


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