Rotina

 



                                Rotina



Depois de criar sozinha seus filhos, ela ainda não consegue dormir como
Dormia antes do primeiro filho nascer.
Agora já adultos, quando demoram um pouco mais na rua
Dorinha já se apega nos seus santos e reza até o último filho entrar pela porta.
Todos os dias seus meninos, já bem crescidos, levantam cedo e vão trabalhar, estudar, namorar, defender a vida.

Ela também desde o primeiro raio de dia, já tá desperta, coando café, se arrumando pra mais um dia de luta.
Dorinha é merendeira numa escola do bairro, e nas horas vagas, depois do expediente, ela faz umas costuras, troca zíper, faz ajustes, faz remendo, e quando acaba as costuras Dorinha faz a janta, limpa sua casinha, é um barraco, mas Dorinha faz gosto de deixar bem ajeitado.

O mais novo do seus filhos, o Teodoro, tá servindo. É ruim mas pelo menos ganha uns troco, ele deixa em casa o do gás, o resto é pra despesa dele.
Seguindo na escadinha, tem o Gaetano, esse tá nos estudos pra fazer prova pra trabalhar no banco, então estuda muito e as vezes faz um serviço pra tirar o dinheiro pra luz. Régio tem 23 e trabalha no metro, é vigilante, tem dinheiro certo no fim do mês e deixa em casa a cesta básica, já o mais velho é servente de pedreiro, trabalha num duro mas chega no fim da semana sempre com um pacote de carne, e pagar a água no fim do mês também é tarefa dele, esse é 
o João Paulo.

Quando anoitece e algum se atrasa pra entrar no barraco, Dorinha não descansa.
Ela ensinou sempre aos filhos a darem notícia.
Mãe não sossega.
Naquela noite tava faltando dois meninos chegarem.
O Teodoro e o Gaetano...
Dorinha escutou gritaria e depois um silêncio comprido.
Em seguida escutou sirene.
E tudo quieto.
Alguém chegou correndo...
Pelo passo pesado de botina deveria ser o Teodoro voltando do quartel.
Era!
Teodoro entrou roxo, tremia, disse que tava enjoado, depois disse que tava mal. Dorinha correu pra acudir chamou por todos os santos e viu no chão um fio de sangue... Gaetano entrou correndo, procurando o irmão.
Teodoro tava ferido!
Andar fardado no morro era uma afronta ...
Tomou um tiro pelas costas, nem viu quem atirou...
Gaetano tava chegando na hora e viu tudo!
Pegou a sua pá e acertou a cabeça do sujeito...
Era preciso ser rápido!
Pegar a mãe e os irmãos e fugir, o barraco de Dorinha teria que ficar para trás.
Ela chorava e dizia que os seus filhos valiam mais.
Dorinha e os seus meninos recomeçaram a vida do outro lado do morro, lá onde Fernandez não sobe nem pode bulir com ninguém .
Teodoro tá no hospital do quartel ainda.
Enquanto tá lá tá protegido!
Criar meninos é muito difícil.
A gente nunca descansa, é o que diz a Dorinha!


"Histórias Quase Inventadas" 

Autora: JANETE FLORES, 54 anos, natural de Porto Alegre, radicada em Pelotas desde a década de 90, com formação em Artes, habilitação em Música pela Ufpel, compositora, instrumentista, cantora, artista plástica e escritora. Membra associada ao GAMP.

Pelotas, novembro de 2020


Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas Informa:

Os assassinatos de jovens no Brasil, tem endereço, raça e gênero predominantes...

O Atlas da Violência 2020, produzido  pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), avaliou que entre 2008 e 2018, os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% em uma década, a taxa entre não negros (brancos, amarelos e indígenas) fez o caminho inverso, apresentando queda de 12,9%.O relatório também chama a atenção para a preponderância de jovens entre as vítimas de homicídios ocorridos em 2018. Ao todo, 30.873 jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos foram mortos, quantidade que equivale a 53,3% dos registros.  

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