Lideranças feministas: os desafios das mulheres que ocupam espaços de liderança
Lideranças feministas: os desafios das mulheres que ocupam espaços de liderança
Brígida Sodré John e Gisele Moraes Dias
Alunas do Curso de Jornalismo da UFPel - Orientação Professora Sílvia Meirelles
Ao longo das décadas, o movimento feminista fez com que as mulheres conquistassem diversos direitos fundamentais, como o acesso à escola e às universidades, ao voto, ao divórcio, à licença maternidade, às leis de combate às violências de gênero, entre outros. Além de permitir que elas passassem a ocupar também espaços de liderança em diversas áreas. Entretanto, a busca por equidade de gênero ainda se faz necessária, visto que o número de mulheres que conseguiram ascender a cargos de chefia ainda é imensamente menor que o número de homens.
Apesar das dificuldades e dos desafios enfrentados para ingressar e prosperar no mercado de trabalho, há muitas vitórias a se comemorar. É essencial valorizarmos os paradigmas e tabus que superamos para que hoje possamos atuar em vários setores que muitas vezes eram tidos como proibidos ou inapropriados para as mulheres.
Assim, para entender o que temos feito com estes espaços conquistados e como podemos contribuir não só para a permanência neles, mas também para alcançarmos de forma coletiva ainda mais oportunidades, entrevistamos mulheres de Pelotas que ocupam posições e expressam sua essência de liderança.
Segundo o IBGE, em 2020 a população de Pelotas correspondia a 328 mil habitantes, sendo 155 mil mulheres, número que elucida o potencial de lideranças da cidade e a importância de identificar as mulheres que atuam como líderes em diferentes segmentos da cidade.
Liderança estudantil e política
Ao olhar para o mercado de trabalho, observamos o quanto ele tem mudado com os avanços das tecnologias e as transformações nos comportamentos sociais. Percebemos também o aumento da presença de mulheres em cargos que até pouco tempo eram ocupados apenas por homens. Essa mudança tem relação direta com o maior acesso das mulheres à educação formal e às universidades.
Apesar da primeira universidade do país ter sido construída em 1808, só foi permitida a admissão de mulheres na instituição a partir de 1879. E se décadas atrás a principal preocupação com a educação voltada às mulheres era apenas de que aprendessem a cuidar dos afazeres domésticos e da família, as novas gerações vem dominando os espaços acadêmicos.
De acordo com o Censo da Educação Superior 2020, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC), cerca de 838 mil mulheres ingressaram em uma universidade e 518 mil concluíram a graduação, enquanto os homens chegaram a 668 mil ingressantes e 360 mil formandos. Isso, por si só, já demonstra o grande progresso das mulheres frente às inúmeras proibições que já existiram e as barreiras que ainda precisam ser ultrapassadas para que tenhamos equidade de gênero em relação ao ensino.
O novo cenário que tem se desenhado hoje é também fruto da presença fundamental das mulheres nos espaços políticos. Por meio da luta feminista, em 1932 foi concedido o direito de voto às mulheres no Brasil. Desde então elas têm contribuído ativamente para o debate público e trabalham para a consolidação de políticas importantíssimas para as mulheres. Pode-se dizer que o principal triunfo neste campo foi a eleição da primeira mulher à presidência do país, Dilma Rousseff, em 2010.
Assim, o progresso na educação somada à presença do movimento feminista na área política faz com que questões voltadas à qualidade de vida, direitos, segurança, liberdade sexual, saúde, entre outras pautas voltadas às mulheres sejam discutidas em diversos ambientes. No âmbito das universidades e instituições de ensino superior, as organizações estudantis assumem papéis fundamentais ao promoverem esses debates, reivindicarem melhorias e manutenção de serviços e benefícios. Além de combater eventuais injustiças e práticas nocivas contra os estudantes.
Jennifer Dias, de 24 anos, faz parte da gestão do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e cursa doutorado em Letras na instituição. Ela orgulha-se de fazer parte da primeira chapa composta majoritariamente por mulheres, que se chama DCE pra Lutar: a Voz Ativa dos Estudantes. Jenifer acredita que esta condição permite a aproximação com as alunas e, assim, auxiliar no combate às violências sofridas por elas dentro do ambiente acadêmico.
Professora formada em Língua Portuguesa e Literatura, Jennifer, iniciou a sua atuação na política no movimento estudantil secundarista lutando ao lado dos professores contra os cortes na educação. Ao ingressar neste meio ela percebeu que mesmo na militância de esquerda há uma predominância masculina que domina os espaços de poder e as tomadas de decisão. “Então, minha atuação com o movimento feminista se deu nesse sentido de promover a participação política das mulheres em todos os espaços que me inseri”, explica.
Ao questionada sobre o que seria liderança no seu ponto de vista, a doutoranda em Letras respondeu que dentro da militância não há uma valorização da hierarquia, mas sim uma horizontalização na qual em determinados momentos se faz necessário que alguém assuma o controle para o comprimento de alguma ação.
A militante reforça em seu discurso que “a pessoa que faz a fala no caminhão de som em uma manifestação é tão importante quanto aquela que panfleta, quanto aquela que batuca um surdo, um tarol. A gente vai equiparando as tarefas”. Por fim, ela conclui que tende a negar palavras como liderança e empoderamento por entender que seus significados remetem a um sistema opressor e que por falta de outras palavras são utilizadas.
Liderança institucional e comunicativa
Em 2020, a revista americana “Harvard Business Review” realizou um estudo sobre cargos de liderança e constatou que mulheres são mais eficientes na resolução de problemas e em tempos de crise. A pesquisa foi realizada nos primeiros meses de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Por meio de uma classificação que possuía 19 competências, elas obtiveram melhores resultados em 13 delas. Destacaram-se no uso de habilidades interpessoais, como a capacidade de saber contribuir para o engajamento, colaboração e motivação da equipe para alcançarmos melhores resultados. Elas também demonstraram maior grau de conscientização e preocupação com a segurança dos funcionários frente à doença.
Valéria Cunha, de 47 anos, é jornalista e publicitária e atua há mais de 30 anos na área da comunicação. Durante os dois anos mais críticos da pandemia, ela assumiu o cargo de coordenadora do setor de comunicação da Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan), sendo responsável pela gestão da equipe de assessores de comunicação que atuavam nas 14 unidades que a ONG tem espalhadas pelo estado gaúcho.
Para a comunicadora, ser uma líder passa por ter a empatia necessária para ouvir as pessoas e suas demandas e saber motivar mesmo frente às adversidades que surgem no dia a dia. “Todo caminho que tracei, eu tive o objetivo de entender melhor como as pessoas se comunicavam, mas para isso eu precisei entender como os outros escutam melhor”, conta Valéria.
Como jornalista atuou em diversas funções dentro das redações. A principal lição que aprendeu na prática e que costuma transmitir às suas equipes é de que nem todas as críticas são construtivas. É fundamental saber filtrar para que isso não afete seu desempenho e autoconfiança no ambiente de trabalho.
“Diversas vezes já escutei ‘só podia ser mulher’. Fiquei pensando, é o básico do nosso direito de ir e vir. Assim é na hora de viajar sozinha, de ires a algum lugar sozinha, na hora de morar sozinha, na hora de ser coordenadora, de ser uma diretora, só por ser mulher”, conta Valéria.
Liderança comunitária e carnavalesca
Devido às suas origens escravocratas, o município de Pelotas é conhecido por ser a cidade com maior número de negros no Rio Grande do Sul. Esta característica faz com que manifestações culturais afrobrasileiras sejam bastante valorizadas e presentes em diferentes segmentos da cidade, como é o caso do carnaval.
Moradora do bairro Navegantes, Vanessa Veleda Silva, de 49 anos, é bacharel em Direito e vice-diretora da escola carnavalesca Mickey. Ela também é responsável por promover ações sociais voltadas a sua comunidade, como entrega de cestas básicas, doações de agasalhos e roupas. Além de realizar atividades em datas comemorativas, como no Dia das Crianças deste ano em que entregou sacos de guloseimas aos pequeninos.
Vanessa acredita que o preconceito e a visão marginalizada que parte da população ainda tem em relação ao carnaval parte da ignorância. Além de ser uma manifestação da cultura popular, ele demanda muito estudo e pesquisa para que sejam criadas as temáticas de seus desfiles. Ela entende que quem atua nesta área é também responsável por disseminar e defender que o carnaval é muito mais que uma festa. "É cultura, é educação, é geração de emprego”, afirma.
Por ocupar a posição de vice-diretora do Mickey, questionamos se faria diferença termos mais mulheres liderando escolas de carnaval. Na sua visão, mulheres tendem a se saírem melhor, pois possuem um senso mais apurado de empatia, costumam ser mais calmas, possuem garra para fazer dar certo e solucionar eventuais problemas.
Desafios de mulheres líderes
Sabemos que os desafios das mulheres no mercado de trabalho são inúmeros e vão desde lidar diariamente com o machismo até a desvalorização salarial. Entre as violências sofridas, o assédio é o mais listado entre elas.
Em 2020, Think Eva em parceria com o LinkedIn realizaram primeira pesquisa nacional sobre assédio sexual em ambientes profissionais on e offline. Nem mesmo a distância imposta pela pandemia foi capaz de reduzir os casos de assédio sofrido pelas brasileiras. Ao todo 47,12% das mulheres afirmam ter sido vítimas, os resultados apontaram que mulheres com rendimentos menores e negras são as principais vítimas.
Os dados demonstraram ainda as entrevistadas que ocupavam cargos de liderança não ficaram de fora, 60% das gerentes e 55% das diretoras já sofreram assédio sexual. As principais práticas são solicitações de favores sexuais (92%), contato físico não solicitado (91%) e abuso sexual (60%).
Simone Mello é professora do Centro de Ciências Sócio Organizacional da UFPel e pesquisa temas relacionados à teoria de gênero sobre mulheres, principalmente a Síndrome da Impostora e o Teto de vidro.
A pesquisadora explica que a Síndrome da Impostora é um fenômeno psicossocial que surge em decorrência principalmente do machismo e das invalidações sofridas pelas mulheres no ambiente de trabalho. “Não é de se espantar quando a gente vê que muitas delas atribuem o seu sucesso não a sua competência, sua trajetória acadêmica e profissional, seu desempenho, mas sim a fatores como sorte, por exemplo”, revela.
Os principais sintomas relatados são insegurança, medo, angústia, ansiedade, raiva, tristeza e esgotamento. “Esses sentimentos impostores, fazem com que as mulheres questionem a si mesmas e acreditarem que elas estão interpretando um papel de uma pessoa bem sucedida, quando na verdade, elas se consideram uma fraude”, explica Simone.
A professora ainda questiona: “será que a nossa sociedade é tão opressora que a própria mulher não reconhece quando está sendo impostora ou não?”. Infelizmente, sabemos que a resposta a esta pergunta ainda é um sim.
Assim, ao chegarmos até aqui percebemos que há um cenário muito mais próspero para ascensão social das mulheres. Porém, precisamos nos mantermos alertas para as possíveis tentativas de retrocesso de direitos e seguir lutando para que um dia tenhamos equidade salarial em todas as áreas.
Diante das adversidades, que possamos estar unidas no combate contra o machismo e qualquer forma de opressão, pois como dizia a feminista e teórica social francesa, Simone de Beauvoir, “que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre”.
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